segunda-feira, 15 de junho de 2009

Entrevista a Joaquim Ferreira

Foi o jogador mais internacional de sempre com 87 internacionalizações, jogou durante toda a sua vida no CDUP, onde foi capitão e foi, sem dúvida, um dos jogadores mais marcante do Rugby em Portugal.

Retirou-se depois da cruzada do Mundial 2007 mas não deixou o desporto. Embarcou noutra aventura - a de treinador. Em dois anos manteve o CDUP na Divisão de Honra e levou a selecção Nacional de sub-21 até ao 3º lugar do Europeu.

Nesta entrevista Joaquim Ferreira ("Xixa") fala-nos do CDUP, da selecção de sub-21 e ainda do Mundial de 2007.

CDUP

Rugby Field - Joaquim, trocaste os campos pelo banco logo após o Mundial. E à tua saída, juntou-se a saída de outros jogadores igualmente importantes. Após este primeiro ano como treinador do CDUP qual é o balanço que fazes?

Joaquim Ferreira - "Foi uma opção que tomei com tempo. Já tinha definido que deixaria de jogar logo depois do mundial ou logo que Portugal ficasse pelo caminho do apuramento. Felizmente conseguimos atingir os nossos objectivos e chegamos lá. Joguei 15 anos na selecção Sénior… foi muito tempo, muitas viagens, muito deixado de lado, mas ganho pelo prazer de jogar pela selecção. Era a altura de deixar e era sair no melhor momento possível. O balanço que faço é que tenho pena do nível de competitividade do nosso campeonato de honra. É muito baixo, existe um desnível enorme entre a primeira metade e segunda da classificação. Isso deve-se sobre tudo à maneira como encaram o jogo e o treino. A maior parte é amador, mas uns levam a vida como profissionais e outros é mais social. Para andar lá em cima, é preciso treinar, isso requer tempo despendido a treinar o físico e o jogo. São opções, cada clube tem de optar por aquilo que realmente quer. Gostava que houvesse mais clubes/jogadores a treinar mais, a tirar mais proveito do rugby, que é fabuloso quando bem jogado"

Joaquim Ferreira em acção pelo CDUP.

R.F. - Os jovens do CDUP conseguiram conquistar o título este ano. Muitos desses jogadores estão na Selecção e alguns já treinam e jogam com os Séniores. O que esperas da equipa Sénior do CDUP no próximo ano?

J.F – “A equipa Sénior do CDUP, está a passar por uma fase de transição. Têm que perceber que os treinos do clube não são suficientes para andar lá em cima. Têm de perceber que se se querem divertir a jogar ou só jogar o jogo pelo jogo, o rugby social. Mais uma vez, são opções que se fazem. Há bons jogadores nos vários escalões, cabe a cada um saber se quer chegar aos Seniores. Eu não percebo que um jovem não jogue para tentar jogar ao mais alto nível sempre, mas no CDUP ainda não existe essa cultura. Essa foi a minha maneira de ver o jogo, foi e é a minha opção sobre o que deve ser a competição. Vamos ver quem são os jogadores que ficam, aqueles que voltam.. isso é importante, pois a diferença do campeonato de Sub-20 para o Sénior é gigante. Esses jogadores mais experientes são cruciais para equilibrar a equipa. Teremos de aguardar, pois foi uma época desgastante, com muitos problemas internos. Não sei quem vai ser o próximo treinador dos Seniores do CDUP, pois eu saí no fim de Abril. Espero que o próximo consiga trabalhar em prol do Clube, não só para os Seniores, mas para estruturar o clube para daqui a uns anos ter uma equipa consistente com jovens a subirem todos os anos para reforçarem essa equipa Sénior. No CDUP funciona muito cada escalão por si. O clube precisa de ter um projecto a 3 ou 4 anos, cimentar para depois colher esses frutos. Todos a trabalhar no mesmo sentido. Basicamente, ser um clube…”

R.F. - Infelizmente temos vindo a ver que o CDUP é forçado a treinar em condições adversas sendo mesmo obrigado a jogar a 40 min. de sua casa. Sentes que o CDUP é pouco apoiado pela federação? O que achas que poderia mudar?

J.F. – “Não considero que o CDUP tenha pouco apoio da federação. A federação deve mudar algumas políticas de apoio aos clubes, mas no seu global. Acho que os critérios de atribuição de subsídios deveriam ser alterados. Deveriam obrigar todos os clubes a fazer x% das deslocações a mais de 150km da sua sede. Assim divulgavam mais o rugby, que devia ser umas das principais obrigações. A maior parte dos clubes de Lisboa não vai a convívios fora de Lisboa, é fácil organizar mini torneios em cada clube e convidam os outros para lá ir. Os de fora de Lisboa sempre que querem participar em algo, siga de camioneta para mais uma viagem. Tentamos organizar torneios cá no Norte, mas por sistema as equipas falham… Para pouparem a deslocação. Para dar um exemplo, o CDUP gasta cerca de 45.000€ só em deslocações todos os anos. Se tivesse esse dinheiro para aplicar noutras coisas, tudo poderia ser diferente. O CDUP precisa de uma “casa”, mas tem de trabalhar nesse sentido. Não pode ficar há espera que caia do céu. Existem milhares de associações/colectividades que também querem instalações… Por isso cada um tem de fazer por si. É urgente o CDUP resolver esse problema, pois está a “morrer” aos poucos por esse motivo

Selecção Sub-21

Com a selecção de Sub-21 no Europeu de 2008 (está no 2º lugar a contar da direita.)

R.F. - A equipa que se tem vindo a formar tem tido uma grande evolução. Prova disso foi o Europeu em Madrid, onde se alcançou o 3º lugar e apenas se perdeu com os campeões. Qual a avaliação que fazes deste Europeu? Achas que se poderia fazer melhor?

J.F – “Foi uma boa prestação, igual ao campeonato de 2008, mas neste ficamos com sensação de poder ter feito mais qualquer coisa. A derrota com a Roménia soube a pouco. Estivemos mal nas fases de conquista, não tendo quase bolas e mesmo assim marcamos 15 pontos. Os próprios jogadores ficaram tristes ao verem as imagens. Não se aplicaram a 100%. Era a Roménia, habitual equipa que lhes ganha nos outros escalões. Não acreditaram nas suas próprias capacidades, esse foi o principal erro. Mas temos um bom grupo de trabalho e ainda jovem.

R.F. - Neste Europeu muitos dos convocados eram ainda sub-19. Casos de Manuel Costa, Henrique Morato, Bernardo Silveira, entre muitos outros. Porque jogadores tão novos? Que futuro vês nesta nova geração de jogadores?

J.F. – “Esta nova geração de jogadores já tem hábitos de trabalho. A academia da F.P.R. tem tido um papel fundamental na sua evolução como jogadores. O trabalho desenvolvido durante a época está à vista de todos. A selecção é para aqueles jogadores que querem. Se não aparecerem, não podem lutar por um lugar. Para mim, não é qualquer jogador que é jogador de selecção. Tem de reunir várias capacidades. Muitas pessoas criticam as escolhas, mas é preciso querer para lá estar. É preciso capacidade de sofrimento, dedicação à equipa, solidariedade com os colegas, disponibilidade constante. Só assim é que Portugal pode ter sucesso. Somos mais pequenos, mas temos de ter orgulho e lutar pela camisola que vestimos.”

R.F. - Jogaste durante muitos anos e quase sempre a 1ªlinha. Que tens a dizer sobre os avançados e e sobre a 1ª linha deste escalão (sub-21 e sub-20)?

J.F. – “Temos claramente um défice neste campo. Há poucos jogadores. A maior parte tenta jogar noutras posições de mais destaque. O público assim “obriga”. Os críticos também. Vamos começar um programa na F.P.R. para valorizar mais este sector. Por exemplo, levamos 8 jogadores que podiam jogar na segunda ou terceira linha. Para a primeira linha levámos 5… foi um risco, mas houve vários indisponíveis por opção deles ou compromissos e algumas lesões. Os que levamos portaram-se muito bem, inclusive o terceiro pilar é dos Sub-19, e esteve bastante bem. Outro dos pilares no inicio da época não aguentava 5 min. de jogo. Foi uma revelação. Como já disse, é para quem quer, quem quer agarrar as oportunidades. Quanto aos talonadores, são 2 jogadores com futuro, mas precisam de trabalhar o físico se quiserem vir a ser internacionais. Ambos tem 88kg…

Mundial 2007:

No último jogo... um último ensaio!

R.F. - Joaquim és o jogador português com mais internacionalizações. Foste ao primeiro Mundial de Portugal, despediste-te da selecção no último jogo contra a Roménia e com um ensaio. Que nos podes dizer sobre essa experiência no Mundial?

J.F. – “Foi uma experiência fabulosa, a cereja em cima do bolo. Poucos ou mesmo ninguém acreditava na nossa ida ao mundial. Treinamos durante muito tempo. Abdicamos de muito das nossas vidas pessoais. No final tudo valeu a pena. Mesmo que não tivéssemos conseguido, pelo menos tentamos, acreditamos em nós próprios. Acho que demos uma boa imagem daquilo que deve ser um jogador da selecção nacional. Com garra, nunca desistir. Toda a gente conseguiu perceber a diferença que havia, e há, entre os vários níveis de selecções. O apoio que recebemos de todos foi indescritível, ainda hoje o sentimos. Fantástico! Cumprimos, apesar de por pouco não termos vencido a Roménia. Foram os problemas que existem no nosso País em termos de jogadores que nos levaram a não conseguir essa vitória. Não havia alternativas para alguns lugares… Em termos pessoais, tive pena de não ter jogado os 4 jogos, mas sair assim, num jogo do mundial, ser o capitão e marcar um ensaio, acho que não poderia ter pedido mais… só trocaria isso pela vitoria nesse jogo!!”

Um hino que ficou para a história.
R.F. - Fez há pouco tempo 2 anos da qualificação de Portugal para o Mundial de França. Há dois anos Portugal vencia o Uruguai em Montvideu e conseguia uma apuração histórica. O que achas que mudou no Rugby Português depois do Mundial?

J.F. – “Mudou muita coisa, mas acho que devíamos ter aproveitado mais a imagem que conseguimos. Há mais apoios em todos os clubes, ou quase, e na própria F.P.R. Há mais dinheiro envolvido, sem isso não se consegue sobreviver. Mas deveríamos ter aproveitado para receber melhor essa avalanche de jogadores. Para terem aparecido e ficarem. Temos de conviver mais com os nossos patrocinadores. Nós é que precisamos deles e acho que maior parte das pessoas esquece esse pormenor. Precisamos de gostar mais do RUGBY e não só do nosso umbigo. Muitos dos clubes continuam só a olhar para eles próprios e não querem saber do resto. Para uma modalidade “pequena” como a nossa, acho que é um erro. Continuo a usar uma frase que usei há vários anos atrás sobre o Rugby e isso entristece-me um pouco: “O problema do rugby são os dirigentes e os árbitros, ambos querem ser os protagonistas e não deixam o próprio jogo e os jogadores o serem!”
Obrigado e um abraço!”

Xixa é levado aos ombros pela equipa após o final do jogo com a Roménia para o Mundial de 2007. Um despedida dos relvados em glória.

10 comentários:

Anónimo disse...

bernardo silveira nao é sub19

Anónimo disse...

LENDA!

Anónimo disse...

São estes jogadores que ficam para a história.

O Xixa foi um exemplo de dedicação não só ao país como também ao CDUP.

É espantoso, aquando das dificuladades do rugby em Portugal, que o jogador mais internaional de sempre é natural do Porto. Que todos os jogadores do país, principalmente os mais novos e de fora de Lisboa possam viver o rugby como o fez este Senhor.

As melhores das sortes para ti Xixa.

Anónimo disse...

Parabéns pelo post, esta lenda do rugby já merecia!
Obrigado Xixa pelo que fizeste pelo nosso rugby, espero que continues ainda a fazer muito, agora como treinador.
Obrigado,
Adepto da Agronomia

Anónimo disse...

Parabéns e Obrigado por tudo e mais o exemplo para os mais novos.
para a equipa do rugby field o meu obrigado pelo post. Continuem sempre assim são estes exemplos edificantes que se tem de homenagear

Anónimo disse...

Uma devida homenagem para um grande jogador e um grnade homem Portugues.

Anónimo disse...

caro blogger no seguimento de mais um excelente post, lanço-lhe um desafio: fazer mensalmente ou qd achar possivel uma entrevista deste género com antigos jogadores ou com actuais em final de carreira...
a titulo de exemplo: nuno durão, nuno mourão, luis pissarra, frederico sousa, miguel portela... entre outros...

um abraço e continuação do excelente trabalho

obrigado

Anónimo disse...

Grande Joaquim.... Um exemplo para todos. De dedicação e Amor pelo rugby; De coragem e determinação em cada jogo que fazias; De frontalidade e sinceridade nas tuas opiniões. Que os teus actos possam ser seguidos pelos mais novos... A "selecção dos sub 20" é um bom projecto e cheia de jogadores que, se continuarem a trabalhar como estão, poderão dar alguns "Xixas" ao nosso rugby. Fica, aqui, a minha homenagem publica à tua pessoa. Um abraço sempre amigo, Miguel Portela

Anónimo disse...

Excelente entrevista! Ao jogador que mais respeitei nos campos de rugby, pela sua entrega, dedicação, espírito competitivo e fair-play.

As suas palavras devem servir de exemplo a muitos jovens jogadores, não só no seu CDUP, mas a todo panorama do rugby nacional. Xixa certamente liderou, e ganhou o respeito dos seus colegas e adversários pelo examplo.

Abraço
Luís Cavaco

Anónimo disse...

Caro Joaquim:

Acompanhei-te nos Sub-22.
Estive, no banco, no dia da tua estreia nos A.
Segui a tua "carreira".
Fui adversário.
Desloquei-me contigo para treinar (num curto periodo) (MICRA)
Finalmente a minha homenagem pela tua dedicação e entrevista

Abraço
Nuno Vaz